[CONTO] - Carne não presta

A recém-nascida engatinhava para fora da toca onde viver, sendo alimentada simplesmente à base da seiva elaborada que percorria a árvore que lhe servia de abrigo até à data. O caminho era curto e reto, sendo que os pequenos raios de luz, que passavam as trepadeiras que serviam de cortina para toca, serviam para mostrar claramente qual o caminho a seguir. Com alguma dificuldade ela lá se desemaranhou das trepadeiras e pode, finalmente, contemplar o mundo exterior… E a sua primeira visão? Uma série de cabeças dos mais diversos animais juntava-se há sua volta, formando um círculo, tentando ver quem era o estranho ser que estava prometido um dia sair para viver entre eles. Chegava a ser impressionante a quantidade de espécies, e ainda mais por alguns dos animais se tratarem de predadores, mas que naquele momento pareciam ter feito tréguas com suas presas, apenas para recebem Lúthien.

Primeiro, a elfa mostrava um semblante de surpresa e até receio, mas que logo passara para um inocente sorriso ao ver, ao ser “sentir” tão bem-vinda. Podemos dizer que foi aqui que despertou o seu amor pela natureza. O momento fora belo e relativamente emocionante, porém ninguém ali presente sabia bem o que fazer, afinal como era suposto se comunicarem com a garota? Foi aí que um grande mocho desceu de um galho da enorme árvore atrás de Lúthien e pousou atrás da mesma, colocando suas asas sobre a mesma e fechando seus olhos. Lúthien sabia eu não precisava temer nada naquele momento, apenas deixar fluir… O corpo do mocho começou a brilhar intensamente, parecia estar conjurando alguma espécie de magia sobre a moça, porém só foi possível ver o resultado quando a ave levantou a novo as suas asas tornando a revelar a elfa. Ela estar mais velha (até à idade da adolescência, não a atual), mais bela, tinha ainda aprendido a falar e até mesmo a escrever! A magia… Provavelmente algum tipo de magia temporal mesclada com alguma habilidade que permitia ao mocho transferir do seu próprio conhecimento para alguém!

Naquela floresta, naquele dia, ficou para sempre lembrado como sendo algo bem especial e de celebração pois a “filha da floresta” estava finalmente caminhando entre eles. Obviamente, isso despertava a curiosidade de todos os animais que procuravam sempre alguma forma de interagir com a elfa nos dias que se seguiram após ao místico acontecimento, todos queria receber as graças e ter a chance conhecer a “filha da floresta”. Pelos mais diversos motivos é claro, alguns porque a viam como uma espécie de entidade à qual deviam devoção e outros que apenas procuravam cultivar uma boa relação com Lúthien e assim conseguir mais influência. Nem todos os animais eram capazes de pensar assim obviamente, os que havia desenvolvido menos a racionalidade ao longo dos vários anos de evolução apenas se limitavam a seguir aquilo que ela dizia, ou que qualquer um mais poderoso lhe dissesse.

Eventualmente tentaram agradá-la com comida, já que nenhuma outra estratégia havia dado resultado, afinal nem ela mesma sabia para quê tanta bajulação, nem mesmo o que aquele título realmente significava. Algum poder secreto? Quem sabe…

Os herbívoros convidavam a garota para grandes baquetes em que reuniam folhas, frutas e até legumes para que todos pudessem comer um pouco e até mesmo ter acesso a alimentos que nunca alcançariam, como por exemplo uma ovelha que nunca chegaria à altura dos ramos de uma árvore para comer das frutas da mesma. Eram momentos raros, mas de extrema beleza na natureza… A forma como aqueles seres eram capazes de cooperar para conseguirem o melhor possível para cada um. Para além disso, alguns herbívoros eram conhecidos como verdadeiros gigantes e precisavam de grandes quantidades de plantas para terem a quantidade mínima de nutrientes diária para puderem viver sem ficarem esfomeados ou fracos para lidar com seus predadores.

Já os carnívoros tinham o hábito de a chamar para as suas caçadas, independentemente da altura do dia. Usualmente, ela apenas os seguia e assistia à natureza fazendo seu trabalho. Neste caso, não havia tanta partilha entre as espécies ou até mesmo matilhas já que as caçadas nem sempre eram bem-sucedidas e, por isso, conseguir alimentos era algo relativamente complicado e cada pedaço tinha extrema importância para eles sobreviverem. Havia alguns que caçavam em grupos, outros preferiam fazê-lo sozinhos e aguardar pelos melhores momentos para saltarem sobre a sua presa e a eliminar rapidamente e ainda restavam aqueles que apanhavam a presa desprevenida para impregnar o seu veneno e apenas seguir o alvo até que este sucumbisse ao veneno e conseguir uma refeição gastando o mínimo de energia possível.

Para Lúthien os banquetes com os herbívoros era, literalmente, banquetes em que ela se deliciava com todo e qualquer alimento que lhe era oferecido ou simplesmente colocado sobre a mesa. Já as refeições com os carnívoros eram diferentes… Apesar de haver um certo nível de adrenalina que disparava durante as perseguições, o prato que lhe era oferecido no fim não era tão agradável… Simplesmente não satisfazia o paladar dela e chegava a deixá-la enjoada, talvez porque desde que nasceu tinha sido alimentada à base de seiva e isso possa ter levado a uma alteração nas suas glândulas salivares que a leva a ter uma preferência por alimentos que têm sua origem e desenvolvimento devido à seiva das plantas e, consequentemente, trazendo uma menor capacidade de sentir o sabor da carne e logo uma menor preferência pela mesma.

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