[Ficha de Personagem] Marie J. Sanson

Era uma noite de inverno.
A mesma neve que caía sobre o telhado do palácio do Rei, caía sobre os miseráveis telhados dos camponeses, e caía sobre os telhados ornamentados das casas nobres, e caía sobre os mendigos jogados ao relento das ruas, e caía também, sobretudo, sobre o telhado, sobre os sepulcros, sobre os caixões e sobre os montes de amontoados de defuntos do jardim da casa Sanson.
Em todo o reino, naquela noite, assim como no dia anterior à esta, prevalecia o silêncio. As execuções públicas foram canceladas por conta da densa neve que tomou conta de todo o cenário e impedia que qualquer cavalo ou carruagem passasse pelas vielas. Sem diversão.
Como sempre, os leitos hospitalares da casa Sanson estavam lotados, e os doentes acomodavam-se com os cobertores que lhes eram fornecidos, nobres.
Num dos cômodos dos andares superiores o silêncio era quebrado: gritos de dor e agonia ressoavam e ecoavam por todos os cantos dos corredores e percorriam por toda a casa. A Senhora Sanson dera a luz! Marie nascera.

Mais um corpo chegara da execução.
Os corpos nunca paravam de chegar. A criminalidade era imensa. A sociedade ou justiça era corrompida.
Os Sanson são uma família nobre; os cães do rei. São uma família que vem de gerações de carrascos que serviram ao rei, diretamente.
Tem o dever de aplicar as execuções cabíveis aos crimes hediondos que aqueles pecadores cometeram. Apesar disso, não há sequer uma linhagem da monarquia de Versailles que os reconheçam como tal, além da família real. Os veem como amaldiçoados. Seus olhos trazem a desgraça, o pavor, o desespero. Quem tem o olhar encontrado pelo olhar de um Sanson está fadado eternamente ao sofrimento eterno. São demônios. E por isso punem, torturam, executam, dissecam e enterram os corpos.
Charles Sanson - pai de Marie - leva Charles Henri - irmão mais velho de Marie - consigo para a sala de dissecação. Haveriam de ter uma aula. Marie ficaria ao lado de fora, escondida, observando por uma janela. Apesar de serem uma família de carrascos, todo aquele sistema era patriarcal: as mulheres apenas caberiam a servir e procriar as novas gerações de carrascos.
Marie já amava anatomia. Lia e relia todos aqueles livros escondidos destinados aos homens. Charles Henri, por outro lado, não. Tinha náuseas e fraquezas todas as vezes que via órgãos escaparem dos corpos.
Mais tarde, naquela sala, Marie levaria um passarinho e o dissecaria por si só, com maestria, em sua primeira vez. Charles Henri descobriria sobre o dissecamento, e, apesar da contradição com as tradições, apoiaria Marie.

Charles Henry sobe na plataforma de execução para realizar a sua primeira execução pública. O executado seria, provavelmente, um amigo. Henri frustra-se e sente-se desnorteado, e o golpe de sua espada não fora o suficiente para ceifar a vida do pecador. Marie sobe à plataforma e aponta uma solução que seria o suficiente para trazer Henri de volta à realidade.
Obviamente uma menina na plataforma de execução fora um absurdo e fora interpretado como um dos mais altos desrespeitos.
Mais tarde, a avó de Marie, Anne, a leva para uma sala de tortura, prende-a numa cadeira, e após um longo discurso sobre deveres e diferenças entre os sexos, põe um ferrete com o símbolo da família Sanson ao fogo, e, após muito quente, crava-o no peito de Marie.
É neste ponto em que sua revolta inicia-se.

Anne já falecera, e seu pai, Charles, tem uma doença que paralisa todos seus membros direitos. Charles Henri assume o papel de carrasco.
Sem Anne e Charles para dar-lhe ordens, permite que Marie se junte à ele, e Marie torna-se, também, uma executora. Provavelmente a primeira mulher a ocupar tal cargo naquele lugar. Abandona todo tipo de vestes e adereços femininos.

Após um incidente onde um aristocrata incendiou um orfanato, assassinando algumas dúzias de crianças, Marie força-o a dizer a verdade em meio à uma festa no Palácio. Mesmo sendo próximo ao rei, é declarado por ele culpado e condenado à execução. Marie fica responsável por sua pena, e, na plataforma de execução, declara que sua lamina não diferencia aristocratas de pobres. Ceifa sua vida ali. Cria um alvoroço de gritos extasiados de camponeses miseráveis. Um sentimento de revolta é permeado naquela população. Ao ver o sangue jorrar, Marie declara: — Seu sangue é tão vermelho quanto o deles, afinal.
Charles Henri enfurece-se. Como Marie ousas ameaçar a ordem do Reino e comparar o sangue vermelho dos plebeus ao sangue azul dos aristocratas?
Charles inicia um plano de exoneração de Marie de seu cargo: arranja seu casamento com um conhecido que a impediria de trabalhar. Marie move-se rapidamente, e encontra outro homem para casar-se: esse não se importaria se ela continuasse seu trabalho e, dessa forma, continuaria fazendo o que quisesse. Era um primo de um conhecido: um aristocrata tão obeso e envolto de gula que não conseguia sequer levantar-se por si só. O casamento foi firmado.

Diversas rebeliões são formadas por camponeses: exigem diminuição de impostos e tarifas. Um sentimento revolucionário instala-se. Marie acredita que aquele povo já pode lutar por si mesmo.
Deixa Versailles afim de procurar um destino para si mesma.